“A internação compulsória deve ser usada apenas em situações-limite, quando o dependente oferece risco para si ou para outros. Mas vemos que hoje a internação é o reflexo, no plano da Saúde, de um modelo militarizado de combate às drogas. É um modelo de confronto, de enfrentamento e não focado na redução de danos, com a disponibilização de psicólogos, enfermeiros, médicos, assistentes sociais e outros”, reflete Fabres.
A coordenadora do doutorado da FDV, Elda Bussinger, ressalta também o caráter individual dos pedidos de internação provisória feitos à Justiça, seja pelas famílias ou pelo poder público. Sendo assim, as situações devem ser avaliadas individualmente, não cabendo providências de apreensão coletiva como a que foi cogitada em São Paulo. Para Elda, ao invés de resolver o problema, tal situação configura-se como um modo de limpar os espaços.
“Essas medidas são inócuas e com intencionalidade claramente higienista. Têm por objetivo limpar a cidade daqueles que são considerados indesejados e que enfeiam o logradouro público. A Constituição garante o Direito à saúde e à uma vida digna e é nesse sentido que precisamos pensar em Políticas Públicas”, defende.
Para a professora, a internação pode atender aos interesses de comunidades terapêuticas e de clínicas privadas, às quais são destinados os recursos do Estado para a internação. “Precisamos questionar os resultados. As estatísticas mostram que a internação compulsória não é a maneira mais eficiente de se lidar com o problema do vício. Especialistas da ONU e da OMS (Organização Mundial de Saúde) não recomendam esse tipo de medida”, reforça.
A coordenadora da Comissão de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria, Ana Cecília Marques, defende a internação compulsória apenas nos casos de extrema vulnerabilidade, em que o indivíduo perdeu os vínculos familiares e vive nas ruas, ou quando o dependente cometeu crimes. Deve-se, ainda, pensar em estruturas de retaguarda, que incluem estudos sobre o número de leitos disponíveis em clínicas e hospitais e a busca pelo contato com as famílias.
Ana Cecília, que participou da elaboração da Lei de Políticas Públicas sobre Drogas, vigente desde 2005, afirma que desde sua criação pouco foi colocado em prática, desde ações de prevenção até o fortalecimento da rede de atenção básica, além de ações de segurança e controle de oferta. “É preciso que haja integração dos poderes. Justiça, Saúde, Assistência Social, Segurança, todos devem trabalhar juntos”, pontua.
Mais de R$ 33 milhões em gastos com usuários
Somente em 2016, a Secretaria de Estado de Saúde (Sesa) recebeu 1.096 ordens judiciais para a providência de leitos hospitalares destinados a pessoas com transtornos mentais e dependentes químicos. A conta final é um gasto de R$ 33.799.669,63.
Para a defensora pública Geana Cruz, tamanho investimento traria mais benefícios caso fosse utilizado no fortalecimento das estruturas ambulatoriais, como as unidades básicas de saúde e os Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que ainda são insuficientes para a demanda.
“Isso é grave porque a maioria das internações não dá resultados. Investir na rede ambulatorial evitaria que chegássemos ao extremo de ter que internar pessoas”, explica.
Pensando nisso, desde o ano passado a Defensoria de órfãos, Sucessões e Proteção à Pessoa com Transtorno Mental criou um programa piloto para o rastreamento das internações. Devido a um trabalho feito em parceria com a prefeitura do município, o pedido de internação das famílias só é encaminhado à Justiça quando preenche os requisitos legais, a exemplo de um laudo de autorização. “Com isso conseguimos reduzir a demanda em 30% de 2015 para 2016”, diz Geana.
Análise
Dependência química é uma questão social e seu enfrentamento deve envolver as diversas instituições e a sociedade civil. As famílias não podem ficar à margem, pois necessitam de atendimento para lidar com a situação e repensar suas ações. Medidas compulsórias agem no efeito e não se atem às causas do processo, além de serem imediatistas. Em geral, aplicam os mesmos procedimentos para todos, não considerando as singularidades dos sujeitos.
Ações compulsórias só são válidas quando o indivíduo oferece risco para si ou para outros, mas não devem ser a regra. Estudos demonstram que, sem políticas que contemplem os complexos contornos do problema, incluindo a concordância dos pacientes, a reincidência é recorrente. Os conflitos relacionados às drogas (lícitas e ilícitas) demandam políticas públicas e projetos terapêuticos multidisciplinares para sejam eficazes. - Maria Angela Rosa Soares
A favor
“A internação compulsória é a única forma viável” - José Nazar, médico, psiquiatra, psicanalista
“O sujeito dependente, que já se deixou estar em uma cracolândia, entregou os pontos, é como se pedisse: socorro, me ajudem! Essas pessoas não têm condições subjetivas e psíquicas de acreditar na existência de uma vida diferente dessa.
Há ainda que se dizer que o que mantém as cracolândias é a circulação da droga e para isso é preciso dinheiro. Surgem então problemas como a prostituição infanto-juvenil e a gravidez precoce.
Por isso, a internação compulsória é a única alternativa viável para essas pessoas. É a única forma possível de elas se separarem do objeto do vício e experimentarem a síndrome da abstinência, que é o que sinaliza se o sujeito tem ou não capacidade de seguir por uma vida diferente. Mas tudo isso depende de um trabalho de meses, anos, envolvendo, principalmente, o trabalho psiquiátrico, pois se tratam de doentes mentais.”
Contra
“A internação compulsória se torna uma violência” - Bruna Quintanilha, psicóloga
“Por ir contra o desejo da pessoa, muitas vezes ocorrendo via determinação judicial, a internação compulsória se torna uma violência, pois a isola do convívio social. Quando ela retorna para casa, muitas vezes se reencontra com as questões que impulsionavam sua dependência e há grandes chances de recaída. Isso aumenta o sofrimento da pessoa, que se sente incapaz, e o da família, que se frustra. Por isso, é importante que o cuidado seja feito na rede de saúde do lugar que ela vive.
Quando a pessoa corre risco de vida pode haver internação, mas esta deve ser pontual e com avaliação de equipe interdisciplinar, em hospitais gerias ou Centros de Recuperação que ofertam esta possibilidade.